sexta-feira, 1 de maio de 2009

Orlan

Eu sempre disse que – entre as diversas modalidades de arte – tinha um receio incrível quanto às performances. E talvez... Talvez o caralho, certamente essa artista (apesar de seu discurso totalmente coeso) é um dos meus principais argumentos quanto à esse medo/receio/”whatdafuck...?”.

Ok, eu sei que é superficial julgar as performances (e a Orlan também) por seu caráter essencialmente físico; talvez até mude meus conceitos depois dessa pesquisa que eu fiz... enfim, voltando ao assunto: de todo o material que encontrei sobre ela, o que talvez resuma melhor sua obra seja esse texto que encontrei no site sobre o ano da França no Brasil...

Criadora do “manifesto da arte carnal” e protagonista do primeiro “extreme makeover” da história da arte, Orlan chocou o mundo nos anos 90 ao realizar a performance “A reencarnação da Santa Orlan”, uma série em que ela se submeteu a nove cirurgias plásticas que foram transmitidas via satélite para diversos lugares, entre eles as principais galerias de arte da Europa. Ao longo desse processo, a francesa nascida em Saint-Étienne em 1947 transformava seu rosto radicalmente, recebendo, além de chifres – realçados calculadamente com purpurina no dia de sua visita à capital paulista – mas também implantes no queixo, nas bochechas e ao redor dos olhos.



Durante a operação, apesar da anestesia, Orlan mantinha-se consciente. Em algumas performances, crânios, tridentes, frutas e legumes iam sendo misturados ao cenário. Em outras, ela lia textos ou então fazia desenhos com os dedos usando o seu próprio sangue. “Eu queria falar sobre o quanto se maltrata o corpo das mulheres. A religião propõe um corpo culpado, que deve sofrer. O meu trato era: nada de dor, nem antes, nem depois.”



“A arte carnal não procura purificação, mas busca transformar o corpo em língua”, fala Orlan, que diz amar o rim, o pâncreas e se excitar com a linha do fêmur. Um dos resultados de tantas operações é a instalação “Corpo colocado em quarentena”, composto por 40 auto-retratos do primeiro ao 40º dia após a intervenção cirúrgica. “As fotos mostram os inchaços e todas as cores pelas quais passamos – azul, amarelo, vermelho. Muitos cirurgiões não quiseram me operar, não queriam mostrar o que acontecia no meio do processo, só o antes e o depois”, conta.

Orlan também é autora da performance “O beijo da artista”, de 1977, em que ela se posicionava atrás de um tórax nu feito de madeira e distribuía beijos em troca de cinco francos durante uma exposição em Paris. “Era algo que falava não só de sexo, mas também de afeto. Houve uma ruptura com a minha família e com os vizinhos”, conta. “Foi um período tragicômico da minha vida.”



Hoje, mais de quatro décadas depois de sua primeira performance, Orlan diz que nunca teve uma crise de identidade. “Não estou nem aí com as imagens que produzi de mim mesma, porque não fui eu que escolhi o ponto de partida. Não escolhi meu nome, nem a cor da minha pele. Nós somos cidadãos do mundo, receptores de estímulos que vêm dos lugares mais diferentes, da televisão, da internet. Não quero fazer cirurgia todos os dias, prefiro beber champanhe com os meus amigos. Mas seria divertido se pudesse mudar o meu rosto diariamente.”

Orlan, submetendo seu rosto a sucessivas operações estéticas em busca da boca da Gioconda ou os olhos de Nefertiti, perpetra uma crítica brutal contra essa sociedade que baseia sua identidade na beleza física.Seu rosto é em partes reflexo de uma obra de arte, mas monstruoso no conjunto. Apóia-se nas teorias do feminismo e da psicanálise e na história da arte, mas também desperta o aplauso da crítica, que interpreta seu arriscado auto-retrato como uma celebração dos avanços médicos e culturais. Um ataque à idéia cristã de que o corpo é sagrado.

Seja como for, seu desempenho convida a uma revisão histórica da representação da mulher na arte. O universo masculino, baseado nas crenças sobre o amor e a morte, faz do corpo da mulher o campo de batalha entre Eros e Tanatos, entre o desejo e a destruição. Passiva e cativa como no romantismo, ou dominante e devoradora como foi mais tarde para os pintores simbolistas e decadentes, que passaram de sádicos a masoquistas, a mulher européia não conseguia superar o estado de boneca.

Fontes: Lígia Nogueira, O Globo / Maricel Chavarría, La Vanguardia (tradução Luiz Roberto Mendes Gonçalves)

(Hasta!)

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