Alguns dias atrás ganhei de um tio um vidro de perfume (o que é meio estranho dado que, apesar de gostar muito, não tenho o hábito de me perfumar); um perfume delicioso, diga-se de passagem, não fosse pelo fato – e nessas horas amaldiçoo minha boa memória – de que, anos atrás, fosse o mesmo perfume que ganhei de aniversário de um quase-namoro que tive. Na época cheguei a ouvir de um amigo a brincadeira profética de que, diante de tal presente, a paixão duraria a medida exata do líquido no frasco. Pois é: durou menos (por motivos que me abstenho de explicitar aqui), mas sua lembrança continuou guardada junto com a fragrância, as razões e tudo o mais na minha cabeça.
E por que retomar essa história, anos depois? – você deve estar se perguntando. É que diante deste (mais uma vez) presente foi inevitável me perguntar como anda, hoje, aquele quase namoro: se ele mudou, o que andará fazendo, se encontrou alguém que correspondeu devidamente os sentimentos dele, esse tipo de coisa. Acho que deu pra notar que saí desse relacionamento me sentindo um tanto culpado, não? Faz parte daquela regra/paradoxo: você passa a vida procurando por alguém que goste de você como é e – quando encontra – não consegue dedicar o mesmo afeto a essa pessoa. Você, então, sai do relacionamento se sentindo um crápula... o vilão da história.
Certa vez outro amigo me disse que temos a necessidade instintiva de antagonizar alguém em nossas vidas; de criar um demônio, um “vilão” para nos motivar a superar a fossa que a inércia que, às vezes, nos acometem e seguir em frente sem – nunca – descer do salto (ok, essa parte de “descer do salto” faz parte da minha interpretação). Confesso que já tive meus “vilões” pessoais (quase todos, infelizmente, sem aquele charme particular dos vilões de filmes antigos), pessoas que me despertaram antipatia automática ou que transformaram, gradualmente, meu amor em ódio. Mas não seria, o ódio, uma variante do amor? Se o desprezo é, de fato, o pior sentimento (ou a falta dele) que se pode reservar a alguém podemos deduzir que quem ainda se dá ao trabalho de alimentar ódio por alguém provavelmente também se disporá a, eventualmente, transformar esse ódio em amor, certo?
Isso posto, será que realmente fui o vilão dessa pessoa (ou ainda o sou)? Se sim, por quanto tempo terei sido o corvo desse alguém? Isso realmente faz diferença agora?
Acho que não... o perfume já passou.
Inté!
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